Do Sertão ao Marco Zero e no Centro de Criação Galpão das Artes


De Brejo da Madre de Deus, na boca do sertão, até Recife, a Companhia de Dança Deborah Colker atravessará Pernambuco de 6 a 26 de novembro. A jornada é uma etapa decisiva para a realização do novo espetáculo do grupo: O Cão sem Plumas, baseado no poema homônimo de João Cabral de Melo Neto (1920-1999).
O cineasta pernambucano Cláudio Assis é o principal parceiro da coreógrafa no trabalho, do qual participa desde a concepção, em 2014. Ele acompanhou Deborah em duas viagens realizadas no ano passado, da nascente à foz do rio Capibaribe.Em 23 anos de história, a companhia se firmou entre as principais do Brasil e se apresentou nos palcos de dança mais importantes do mundo, em quatro continentes. Mas nunca tinha feito nada semelhante ao projeto intitulado Do Sertão ao Marco Zero.Três meses após dirigir a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro e tendo no currículo um Laurence Olivier Award (2001) – prêmio britânico que nenhum outro artista brasileiro recebeu – e um espetáculo feito para o Cirque du Soleil (O ovo, de 2009), Deborah envereda agora pelo interior de Pernambuco.“Essa busca pela natureza humana é algo que tenho feito desde  (2005)”, afirma a coreógrafa, que antes desenvolvera uma linguagem em torno de experiências como o uso da parede de alpinismo em Mix (1995) e da roda gigante em Rota (1997).Se Tatyana (2011) e Belle (2014) se passavam, respectivamente, na Rússia e em Paris, sem que a companhia tivesse ido à Europa, Cão sem Plumas será marcado pelas vivências em Pernambuco.O eixo do poema (publicado em 1950) e do espetáculo é o Capibaribe, que corta o estado por cerca de 240 quilômetros, desde o trecho em que corre oito quilômetros abaixo da terra, no semiárido. Passa próximo a canaviais, manguezais e se encontra com o mar.Deborah, sua equipe de criação e seus 14 bailarinos farão intercâmbios com habitantes de cidades que vivem em torno do rio: Belo Jardim, Brejo da Madre de Deus, Limoeiro, Nazaré da Mata, Recife e Itamaracá.Cláudio Assis filmará as atividades da companhia em novembro. As imagens serão utilizadas no espetáculo, que estreará em junho de 2017, e comporão um documentário.A diretora e os bailarinos darão oficinas nas cidades para pessoas que não precisam ter qualquer experiência anterior com dança. Os professores também aprenderão com os alunos, profundos conhecedores do que é narrado no poema de João Cabral. Daí chamar de intercâmbios os encontros.“Vamos ensinar o que a gente sabe e aprender o que não sabe”, diz Deborah. “Estaremos com pessoas que se confundem com a terra em que vivem, que sabem de onde vêm e o que querem afirmar. ”Do dia 7 ao dia 10, as oficinas acontecerão simultaneamente em Belo Jardim e Brejo da Madre de Deus, com os integrantes da companhia se dividindo entre as localidades. De 14 a 17 é a vez de Limoeiro e Nazaré da Mata, na Zona da Mata. De 19 a 22, Recife, incluindo a Favela dos Coelhos. No dia 26, os mangues de Itamaracá. Ainda serão realizados saraus nas cidades, com apresentação de moradores.O ponto culminante das atividades está marcado para as 19h do dia 24. A companhia mostrará cenas já ensaiadas do balé em uma balsa que navegará no Capibaribe até chegar ao Marco Zero, onde o público estará acompanhando em telões.Deborah pretende que participantes das oficinas estejam na encenação que será realizada no ponto de partida da balsa. O espetáculo também contará com o poeta e cantor Lirinha, a Orquestra Santa Massa, o DJ Dolores e o grupo Frevotron.A trilha sonora do balé está sendo composta por outro pernambucano, Jorge dü Peixe, da Nação Zumbi, em parceria com Berna Ceppas, habitual colaborador de Deborah. Outro nome frequente nos trabalhos da coreógrafa, o cenógrafo e diretor de arte Gringo Cardia, acompanhará a viagem pelo Capibaribe, assim como o fotógrafo Cafi.A direção de produção é de João Elias, fundador da companhia.Os versos de João Cabral guiam tudo o que tem sido pensado em torno do espetáculo. Mesmo as oficinas terão como matéria-prima o poema.
“Ele é o timoneiro”, diz Deborah. “Mas quero ter liberdade de olhar para ele do jeito que eu quiser. ”Ela incluiu, por exemplo, garças na coreografia, embora as aves não sejam citadas pelo poeta pernambucano.“Elas são um pouco como a burguesia. Ficam próximas à lama preta do mangue, mas não se sujam”, explica a artista, que entrou no mangue em uma das viagens.O poema é político, mas sem ser panfletário. João Cabral narra em quatro partes (Paisagem do Capibaribe I e II, Fábula do Capibaribe e Discurso do Capibaribe) as dores do rio: suas sujeiras, a pobreza em volta, a desigualdade social, representadas em palavras fortes que se repetem, como lama, ferrugem, espada, cachorro.O “cão sem plumas” traduz a dureza da vida do rio e dos ribeirinhos. A imagem é metafórica, embora João Cabral seja sempre lembrado como um artista da secura, da precisão, não das metáforas.“Se eu, navegando num rio em Bangcoc, na Tailândia, pensei no Capibaribe, a culpa é dele, Cabral. O cão sem plumas pode estar em qualquer lugar, é universal”, afirma Deborah, que cita Chico Science como referência.“Não quero ser regionalista, não vou fazer manifesto para defender Pernambuco. Quero conectar com o mundo, comigo, que sou judia de origem russa e vivo no Rio de Janeiro. ”A Cia de Dança Deborah Colker tem o patrocínio da Petrobrás desde 1995.“Do Sertão ao Marco Zero” é apoiado pelo Ministério da Cultura – lei Rouanet, com patrocínio de Baterias Moura, Bradesco e Copergás.

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