A CONVENIÊNCIA DA QUALIDADE
O
universo da cultura popular sai das feiras e invade o palco à italiana
em apresentação contagiante no Centro de Criação Galpão das Artes em
Limoeiro. Cores, sons e formas exuberantes atraíram a atenção do público
que assistiu ao espetáculo A incoveniência de Ter Coragem na última
quarta-feira (31). A peça é um exemplo claro de como esta cidade tem se
destacado nas produções das artes cênicas em Pernambuco.
A
dramaturgia é de autoria do paraibano Ariano Suassuna, conhecido
internacionalmente pelo sucesso de O Auto da Compadecida. O enredo
desvela a cultura do homem sertanejo nas figuras dos personagens
Benedito, Pedro, Vicentão Borrote, Cabo Rosinha e Marieta, que durante
1h de espetáculo conduz a platéia a risos, palmas e cantorias próprias
da música regional.

Benedito
é um “cabra” esperto que se utiliza desse artifício para impressionar
sua amada, Marieta. Para isso ele “enfrenta” Cabo Rosinha e Vicentão
Borrote, donos de uma masculinidade imponente que é colocada a prova a
todo instante em um jogo gostoso de ser e parecer, são as máscaras
sociais que encontram terreno propício nos palcos e abre espaço para a
reflexão de uma sociedade hipócrita. O protagonista, após desenvolver
com requinte as suas artimanhas, espera conseguir lugar de destaque no
coração de Marieta, mas para sua infelicidade, porém regozijo da
platéia, mantém um caso de amor com Pedro.

A
encenação sofre fortes influência da idade média, período em que as
apresentações teatrais lotavam as ruas com seus autos, mistérios e
milagres, como também da comédia Dell”Arte e, é claro, da produção
artística do homem sertanejo. Qualquer aproximação com Mateus, Catirina e
Bastião, figuras presentes no cavalo marinho, não é mera coincidência. O
Bumba meu Boi também é um universo que fala sobre a vingança, a piada
que surge na feira, algum problema que contempla a atualidade, um caso
de amor e traição em que o negro tem papel relevante na construção
dessas situações.

Os
recursos interpretativos e a encenação busca pelo antiilusionismo, ou
seja, pretende evidenciar o aspecto teatral e mimético. Os personagens
são tipos identificados através da partitura corporal convencional que
expressa as características físicas e morais. Um destaque nesse trabalho
é o gestus do Cabo Rosinha que toca suas genitálias com as pernas
escancaradas, levando a platéia ao delírio. O gestual e os deslocamentos
são grandes e amplificam os atores, assim como a indumentária composta
por múltiplas cores, fitas e botões que se aproxima do universo dos
mamulengos. Os bonecos estão presentes tanto no corpo como também nas
versões minimizadas das personagens que surgem no decorrer das cenas. O
trabalho vocal dos atores é impecável, seja na voz falada quanto na voz
cantada. A sonoplastia é produzida ao vivo utilizando brinquedos
populares como reco-reco e apitos de madeira que imitam o canto dos
pássaros. A música apresenta as personagens e narra ocasiões que seriam
trágicas se não fosse o véu cômico que perpassa a apresentação.
Jornalista Vinícius Vieira








Depois
de entrar em cena pela platéia com muita intensidade energética, os
atores permanecem no palco do começo ao fim. Quando não estão em ação
caminham para as laterais, sentando em banquinhos trabalhados na
xilogravura, estética presente na literatura de cordel que também
aparece amplificado no fundo do palco.
O
espetáculo, porém seria impecável se não fosse a maquiagem de Benedito
que ao longo da exposição derreteu sobre a face. No ambiente da origem
popular isso não teria problema algum, mas na unidade a que esse
espetáculo se propõe, percebemos que os elementos cênicos comungam para
outro tipo de cuidado estético que precisa ser solucionado. Esse
“borrão”, evidente, não ofuscou o brilho radiante que o Galpão das Artes
dirigido por Fábio André, levou ao palco em uma belíssima apresentação
na noite limoeirense.

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