OLHARES CRÍTICOS: A inconveniência de ter coragem - 15º Festival Recife do Teatro Nacional Por Sebastião Milaré


Sebastião Milaré (Guapiaçu SP 1945). Crítico e teórico. Presença assídua no panorama crítico e teórico desde os anos 1970, estudioso da obra de Antunes Filho.


Teatro de rua? Não, teatro de feira, parece afirmar o diretor do Grupo Galpão das Artes, Fábio André, quando diz que o espetáculo é uma “presepada” que os atores prometem em feira livre. E o postal de divulgação afirma que “em Pernambuco lugar de boneco é na feira”. Define-se, portanto, o espaço para o qual o espetáculo foi concebido. A importância disso não se prende a uma sutileza retórica, pois o espaço do acontecimento teatral é determinante das pulsações cênicas. Pode-se argumentar que a feira está na rua, o que dá no mesmo. Engano. Qualquer feira livre altera o espaço público, interfere na paisagem dando-lhe vida peculiar. Assim, a rua já não é a mesma, mas sítio efêmero e nervoso de trocas, de pregões dos vendedores e olhares atentos da freguesia, de comidas em tabuleiros e tantas outras coisas, entre as quais eventualmente artistas de rua, grupos de teatro. Fazer teatro na feira é, por fim, um hábito que vem lá da Idade Média e que solicita da trupe posturas específicas, com recursos característicos dos antigos mambembes. A opção do Galpão das Artes não implica mera escolha de local para suas apresentações, mas um universo que o desafia. O grupo vem se aprofundando na pesquisa de bonecos de feira, por exemplo. Percebe-se em “A inconveniência de ter Coragem” o domínio de técnicas originárias dos mambembes, de certo modo parentes da commedia dell arte, com máscaras desenhadas e pintadas no rosto, gestualidade larga que muitas vezes parece coreografia. Técnicas que se encontram com outras da nossa cultura tradicional, especialmente o mamulengo.Tem igualmente origem na tradição de mamulengo o texto de Ariano Suassuna, que celebra as trapaças do negro Benedito, neste caso contra os valentões Vicentão Borrote e Cabo Rosinha, que com ele disputavam o amor de Marieta. Os atores, com suas impagáveis caracterizações e figurinos coloridos, evidenciam perfeito domínio dessa arte popular de tradição secular. Um grupo homogêneo, talentoso, inventivo, que apresenta tipos presentes no imaginário nordestino e lhes dá vida, realizando a “presepada” com a elegância cativante de grandes cômicos. Sim, um teatro de feira que infelizmente não se encontra em todas as feiras. E ao encontrá-lo, temos motivos para nos sentir privilegiados.

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