FLÁVIA SUASSUNA COMENTA SOBRE SUA VINDA A LIMOEIRO
Depois que acabei de falar
sobre a poesia de Ariano Suassuna na Academia Pernambucana de Letras, em agosto
passado, aproximou-se de mim uma figura de cara confiável de que gostei de
imediato e que me fez a proposta, quase indecente a esta altura do ano, por
causa das demandas de atividades de professora de cursos preparatórios para o
vestibular em que trabalho, de ir a Limoeiro, dar uma palestra sobre o autor.
Eu lhe disse que iria, claro, mas pensei que a história se perderia no meio do
caminho e que o convite terminaria dando chabu. Não foi o que aconteceu:
algumas semanas depois, Fábio André de Andrade Silva, limoeirense da gema, me
liga, se apresenta de novo mais formalmente, com a delicadeza que me parece ser
sua mais forte característica, e me esclarece que tudo já estava arrumado para
a minha ida àquela cidade.
Nem sei direito
como ele conseguiu, nestes tempos brabos, viabilizar minha viagem: acho que ela
foi uma junção de ajudas, e o que entendi depois foi que meu novo amigo fez das
tripas coração e, assim coraçãomente, como diz João Guimarães Rosa, terminou
por concretizá-la. Não sei como foi, só sei que foi assim. Declaro a quem
interessar possa que Fábio, inclusive, cuidou para que viesse, num carro da
Secretaria de Educação, um motorista em especial que tinha trabalhado com meu
primo Sérgio, filho de tio Saulo. Ambos
já partiram, mas foram revisitados, na ocasião do trajeto, nas suas histórias e
jeitos de ser.
Assim que
cheguei, visitei o simpático prédio da GRE (acho que a acolhida do pessoal foi
que me deu a sensação boa e fresca que senti) e, em seguida, fui entrevistada
na Rádio Jornal Limoeiro e na Rádio Cultural FM. Daí fomos no Galpão das Artes,
o primeiro presente que Fábio e seus amigos me deram nesse fim de semana especial
que tive o privilégio de ter: um lugar lindo, que abriga um palco, onde estava
exposto o figurino de uma peça teatral; uma espécie de museu de brinquedos
populares de madeira e outros materiais; e até uma galeria de artes plásticas,
com quadros que, perfeitamente, combinavam com o ambiente. Tudo estava tão fiel
às ideias defendidas por meu tio Ariano Suassuna, que tive vontade de me
ajoelhar ali mesmo, diante daquele altar que o reverenciava de modo tão
perfeito, para agradecer a compreensão pertinente e a abertura que o grupo
tinha tido para o seu universo conceitual e simbólico. Não o fiz, é verdade,
mas o que senti deve ter sido percebido – fiquei tão emocionada que Fábio teve
que me ajudar a subir no palco, porque eu quis ver de perto os detalhes das
roupas expostas, enquanto ele me contava que tudo aquilo tinha sido
confeccionado com material doado numa campanha que arrecadara mantas, fuxicos e
colchas de retalhos, tudo usado, mas em bom estado, e tinha, digamos assim,
sido reciclado e ressignificado naquele deslumbrante e assombroso guarda-roupa que
estava ali exposto.
Senti, de forma
tão forte, a presença do meu tio querido em tudo aquilo, que não tenho palavras
para agradecer ao grupo, nem para descrever a diversidade de sentimentos que me
povoaram. Não é todo dia que a gente vê sentido na vida: vi naquele lugar e,
principalmente, nas pessoas que o formam (que um lugar não é nada sem pessoas)
uma extensão das ações e das ideias de Ariano. E ali mesmo o imaginei
descansado de sua luta, olhando lá de cima aquilo tudo através dos meus olhos,
satisfeito com o resultado que se mostrava devagar.
Depois do almoço
começamos a executar a primeira parte do nosso programa central que consistiu
na tal palestra que ministrei. Confesso que fiquei com vergonha da apresentação
que tinha preparado, porque todos ali pareciam entender Ariano tanto quanto eu.
Depois da palestra, fui compreendendo,
aos poucos, o que, de verdade, fui fazer ali: lembrar a eles que “difícil” não
significa “impossível” e que há um sentido bonito na luta que eles travam para fazer
o que fazem.
À noite tive o
privilégio de ver o ensaio geral do primeiro ato – o grupo costuma encenar um
ato de cada vez – da peça “A farsa da boa preguiça”, de Ariano Suassuna, com a
direção de Charlon de Oliveira Cabral. Na frente de uma igrejinha linda, com
bandeirinhas e tudo, num perfeito cenário interiorano que estava de novo a cara
de Ariano, pude testemunhar o trabalho sério, o esforço desprendido e adivinhar
os cansativos ensaios e os desânimos e as motivações que tinham levado todos
nós até aquele pátio, onde se descortinou de novo para mim o sonho de Ariano de
realizar um teatro entre erudito e popular, que pudesse dar emoção e riso a
pessoas desprovidas de renda e de acesso à cultura e que, enfim, teriam sua
festa na vida difícil que vivem. Não sou crítica de teatro, mas acho que posso
destacar o trabalho de corpo; a movimentação dos atores, apesar de não haver o
palco, que os limitaria melhor; a prontidão das respostas engraçadíssimas às intervenções
da plateia que todo teatro de rua exige; a coragem necessária para um trabalho
assim tão distante daquele a que a maioria das pessoas está acostumada... Ri
tanto que alguém chegou a perguntar se eu tinha sido paga para tal, a fim de
puxar o riso da plateia. Na verdade, eu estava feliz de ver como meu tio está
vivo naquelas pessoas...
Portanto, eu
queria agradecer a todas elas: por fazerem de suas vidas um laboratório de
ressurreição de Ariano e por permanecerem firmes, apesar das dificuldades,
ofertando àquelas pessoas não só lazer, mas também cultura. Lá de cima, ao lado
de Compadecida, Ariano deve estar feliz e satisfeito. Ele manda dizer que esses
tempos de trevas passarão, e que nós estamos no caminho certo.
Flávia Suassuna nasceu no
Recife e dele pouco se afastou desde então. Estudou na Universidade Federal de
Pernambuco, onde se formou em Letras, e, em sequência, se tornou Mestre em
Teoria da Literatura, com um estudo sobre a obra do escritor João Ubaldo Ribeiro.
Foi professora de Literatura no Ensino Médio privado do Estado de Pernambuco,
no qual contribuiu para o letramento literário de uma geração inteira de
pernambucanos em virtude do que foi escolhida, em 2015, uma das "Mulheres
que mudaram a história de Pernambuco". Escreveu seis livros: "Jogo de
trevas", "Remissão ao silêncio" (romances), "Trança -
primeiro fio" (poemas), "Trança - segundo fio" (crônicas),
"Trança - terceiro fio" (resenhas) e "Poesia em cena"
(livro didático sobre a poesia brasileira ao longo da história da literatura
ocidental). Mantém um blog na internet chamado "Trança" desde junho
de 2006, onde, primeiramente, publica tudo o que escreve.
FLÁVIA SUASSUNA AFIRMA QUE " ARIANO SUASSUNA VIVE ! "
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